Nanotecnologia aumenta potencial terapêutico da curcumina
Benefícios anti-inflamatórios, antioxidantes e neuroprotetores estão entre potenciais aplicações medicinais da curcumina, mas ainda dependem de comprovação clínica
Texto: Leonardo Ozima*
Arte: Joyce Tenório**
A cúrcuma é uma planta da família do Zingiberaceae (mesma família do gengibre), originária do continente asiático, utilizada como condimento e corante graças à sua forte cor amarelada. Ao lado do uso culinário, a planta é alvo de pesquisas em medicina devido ao seu principal composto bioativo, a curcumina, considerada anti-inflamatória e antioxidante. O potencial da curcumina para prevenir e tratar doenças, entretanto, esbarra na dificuldade de ela ser absorvida pelo organismo, fato que pode ser mudado pela nanotecnologia. Com as técnicas apropriadas é possível manipular a matéria em dimensões nanométricas – 1 metro dividido por 1 bilhão.
Caroline Bertoncini Silva, pesquisadora da Divisão de Nutrologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, é responsável por um estudo publicado na revista Antioxidants que revisou achados recentes de pesquisas sobre as propriedades da curcumina e as formas de intensificar essas ações no organismo humano. A pesquisadora informa que potenciais benefícios da curcumina vão das propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, passam pela neuroproteção, melhorando a função cerebral, os benefícios cardiovasculares e a saúde digestiva, chegando aos efeitos antitumorais.
O problema é que a biodisponibilidade (quantidade e velocidade com que chega à corrente sanguínea e tecidos) do composto bioativo é baixa, e formulações farmacêuticas e testes clínicos ainda estão em estágio inicial. “Embora os benefícios sejam promissores, são necessárias mais pesquisas para estabelecer as recomendações terapêuticas específicas. As perspectivas precisam ser confirmadas por estudos maiores e ensaios clínicos”, avalia Caroline Silva.
A boa notícia é que pelo menos a questão da biodisponibilidade pode estar resolvida com as nanoformulações – processo que utiliza nanotecnologia para reduzir o tamanho dos fármacos – de curcumina. Segundo as avaliações da pesquisadora, as fórmulas nanoestruturadas conferem o aprimoramento necessário para ampliar a biodisponibilidade e a bioatividade (atividade biológica) da curcumina e seus metabólitos.
Nanoformulação, resposta à baixa biodisponibilidade
“A baixa disponibilidade da curcumina em sua forma natural é um desafio e, para superá-la, diversas pesquisas estão investigando formulações para melhorá-la”, conta a pesquisadora, adiantando que parte da baixa absorção da curcumina se deve ao fato de ela ser uma molécula hidrofóbica, ou seja, que possui aversão à água e baixa solubilidade.
No entanto, as nanoformulações podem ser um caminho. Elas são estruturas criadas em escala molecular, através da nanotecnologia, para o preparo e o encapsulamento dos compostos bioativos. Esses sistemas asseguram a “liberação de medicamentos em escala nanométrica, a fim de melhorar a absorção e a eficácia de compostos bioativos como a curcumina”.
Um dos estudos analisados pelos pesquisadores identificou que uma das mais recentes dessas nanoformulações é capaz de aumentar em até 100 vezes a biodisponibilidade da curcumina no plasma. O trabalho revisou 11 nanoformulações de curcumina, testadas em estudos clínicos, responsáveis pelo aumento de nove a 185 vezes na biodisponibilidade do composto.
Associação de bioativos em nanoestruturas aumentam absorção
A curcumina possui propriedade antimicrobiana, combatendo o desenvolvimento de microrganismos, que também é potencializada pela nanoestrutura. Pelos resultados obtidos, Caroline Silva acredita que, em futuro próximo, será possível projetar essas nanoformulações para atingir microrganismos específicos que causam doença, principalmente na pele e no intestino.
Aliás, os estudos dos efeitos do consumo oral de nanoformulação de curcumina por ratos e camundongos constataram a melhora da absorção no intestino e da biodisponibilidade, além de melhorar a composição da microbiota intestinal, conjunto de microrganismos presentes no intestino que podem auxiliar no funcionamento de diversos processos.
Outro método para aumentar a biodisponibilidade da curcumina, analisado nesta revisão, foi a combinação com outros compostos bioativos, como a piperina, principal componente da pimenta-do-reino. Em um dos estudos clínicos, realizado em humanos saudáveis, os autores descobriram que 2 g de curcumina administrados concomitantemente com 20 mg de piperina indicaram promover um aumento de 2.000% na biodisponibilidade oral da curcumina.
Curcumina como medicamento
Ao analisar a relação da nanoformulação da curcumina com seu efeito anti-inflamatório e antiobesidade, resultados de diversas pesquisas realizadas com humanos e animais sugerem que essas nanoformulações podem ter efeitos interessantes para o tratamento da inflamação crônica em humanos.
Dados preliminares apontam que a curcumina poderia trazer benefícios para o cérebro, melhorando a função cognitiva e a memória, sendo avaliada no tratamento do Alzheimer, e para o coração, com potencial para ser um agente terapêutico em doenças cardiovasculares. Caroline ressalta que ainda não há estudos clínicos que demonstrem resultados sólidos sobre os efeitos curcumina no cérebro e no coração; mesmo assim, os avanços nas nanoestruturas de curcumina são um grande facilitador para a realização de mais pesquisas nessas áreas.
Também são necessários estudos mais conclusivos em relação à dosagem, mas pesquisas realizadas in vitro, em animais e em humanos têm demonstrado que a curcumina não é tóxica. As pesquisas realizadas em humanos demonstraram a faixa de consumo considerada segura, com doses entre 1.125 mg e 2.500 mg de curcumina diariamente. Outro estudo analisou o consumo de doses altas e diárias, de até 8 g de curcumina, durante três meses e não observou toxicidade relacionada ao bioativo.
Assim, a curcumina pode ser um bioativo importante na produção de medicamentos em um futuro próximo devido às nanoformulações. “A possibilidade de aumentar significativamente a biodisponibilidade da curmunina permite que essa substância atue de maneira mais eficaz em dose menor, possibilitando o uso como um medicamento direcionado”, afirma a pesquisadora.
Caroline acredita que, mais para frente, ela “pode ser importante no tratamento para doenças crônicas, como artrite reumatoide, diabete e doenças cardiovasculares, pois o efeito anti-inflamatório e antioxidante é potencializado”. Lembra ainda que, com as nanoformulações, a curcumina pode ser útil como neuroproteção nas doenças neurodegenerativas, além do potencial em tratamentos oncológicos, “pois estudos demonstram uma capacidade do bioativo em inibir as células tumorais”.
Mais informações: e-mail: bertoncinicaroline@usp.br com Caroline Bertoncini da SilvaMais informações: e-mail: bertoncinicaroline@usp.br com Caroline Bertoncini da Silva
*Estagiário sob supervisão de Rita Stella
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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